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28 de fevereiro de 2007

Contos Velhinhos

Contos velhinhos de amor
Numa noite branca e fria
Tantos tenho para contar

São pétalas duma flor
Desfolhadas ao luar

Contos velhinhos de amor
Numa noite branca e fria
Tantos tenho para contar

Contos velhinhos os meus
São contos iguais a tantos
Que tantos já nos contaram

São saudades de um adeus
De sonhos que já passaram

Contos velhinhos de amor
Numa noite branca e fria
Tantos tenho para contar


Angelo Araújo
Fados de Coimbra” – 1953

O Sol Anda Lá No Céu

O sol anda lá no céu
Tão contente atrás da lua
Também trago a minha alma
De castigo atrás da tua

Fui ao Mondego lavar
As penas das minhas mágoas
Minhas mágoas eram negras
Negras ficaram as águas


Carlos Figueiredo
Fados de Coimbra” – 1953

Solitário

Dizem que as mães querem mais
Ao filho que mais mal faz
Por isso te quero tanto
E tantas mágoas me dás

Perguntas-me o que é morrer
Meu amor, minha alegria
Morrer é passar um dia
Todo inteiro sem te ver


(António Menano)
Fados de Coimbra” – 1953

Fado das Águias

Ó águia que vais tão alta
Por essas serras além
Leva-me aos céus onde eu tenho
A alma da minha mãe

As lágrimas que eu chorei
Leva-mas porque são puras
São as preces que eu rezei
Com saudades e ternura



José Afonso
Fados de Coimbra” – 1953

“Num recente e excelente livro sobre Alfredo Marceneiro, escrito pelo neto do fadista – Vítor Duarte – é publicada uma letra de Henrique Rêgo, grande poeta popular, que escreveu muitos dos fados de Marceneiro – um deles, “Oh! Águia” e que integra a seguinte sextilha (cantada pelo ti Alfredo com a música do Fado Bacalhau):

Oh águia que vais tão alto
Num voar vertiginoso
Por essas terras d’além

Leva-me ao céu, onde tenhas
Estrela da minha vida
Alma da minha mãe

É notória a semelhança com a primeira quadra do “Fado das Águias”. Terá sido adaptação de José Afonso? E como é que o Zeca conheceu esta poesia de Henrique Rêgo, escrita por volta de 1920?”
in “libreto” do CD “De Capa e Batina” de 1996

Chaves e interpretações

formato dos discos:

78rpm
disco de 78 rotações por minuto
anterior aos discos de vinil

S (single)
disco de vinil de 45 rpm
é gravado nas duas faces
com 1 registo em cada face

EP
disco de vinil de 45 rpm
é gravado nas duas faces
com 2 registos em cada face

álbuns:

LP
disco de vinil de longa duração (Long Playing) de 33 rpm
é gravado nas duas faces
com média de 5 registos em cada face
e duração média de 20’ em cada face

pode ser 2LP (duplo), 3LP (triplo) ou 4LP (quádruplo)
conforme seja constituído por 2, 3 ou 4 discos

CD
Disco compacto (Compact Disc)
gravado apenas numa face
pode ser 2CD, 3CD, etc. como os LP.

indicações de autoria:

(José Afonso - Manuel Alegre / José Afonso)
(autor da letra autor da letra / autor da música)

(José Afonso)
(autor da letra e música)

nb:
no Cancioneiro apenas se indica o autor (ou autores) da letra

indicações da discografia:

Fados de Coimbra
1953. Alvorada – 78rpm (EP0359)

título do disco
ano de edição. editora – formato (nº referência da edição)

Suzana
“Anel de Fogo”
2005. Sete Vidas - CD
1953. Alvorda – 78rpm

autor ou intérprete
“título do disco”
ano de edição. editora – formato

Vira de Coimbra

Dizem que amor de estudante
Não dura mais que uma hora
Só o meu é tão velhinho
Inda não se foi embora.

Coimbra pra ser Coimbra
Três coisas há-de contar
Guitarras, tricanas lindas,
Capas negras a adejar

Ó Portugal trovador
Ó Portugal das cantigas
A dançar tua dás a roda
A roda com as raparigas

Fui encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei
Mondego que é da tua água
que é dos prantos que eu chorei.


Cancioneiro Popular
Balada do Outono” - 1960

Baladas de Coimbra "Menino d'Oiro" - EP 1962




Baladas de Coimbra “Menino d’Oiro”
1962. Rapsódia - EP (EPF 5182)

músicos:
viola: Rui Pato

texto: Rocha Pato

1 - Menino d’Oiro (José Afonso)
2 - Tenho Barcos, Tenho Remos (pop./José Afonso)
3 - No Lago do Breu (José Afonso)
4 - Senhor Poeta (José Afonso-António Barahona-Manuel Alegre/José Afonso)

“Menino d’Oiro” é o José Manuel, primeiro filho do Zeca.

Neste disco inicia-se a ruptura completa com a tradição: pela primeira vez José Afonso é acompanhado apenas pela viola de Rui Pato, que aqui encetava uma longa parceria com o Andarilho.


Menino d’Oiro
Letra e música de José Afonso. O tema parece filiar-se em longínquas raízes peninsulares. Tratado pelas mais diversas formas mas conservando a sua origem popular, surge como motivo inspirador dum conhecido fado de Coimbra.
José Afonso, in Cantares José Afonso. p. 104.

Tenho Barcos, Tenho Remos
O barco aludido pertencia a uma pequena sociedade constituída por Manuel Pité, António Barahona, António Bronze & José Afonso. Situações vividas pelos quatro, em comunidade perfeita com o mar algarvio, agruparam-se numa espécie de ciclo fraterno representativo de uma das fases mais felizes da vida do autor.
José Afonso, in Cantares José Afonso. p. 98.

No Lago do Breu
Balada de inspiração Brassens, define simultaneamente um estado de espírito e uma autobiografia, uma crise de consciência (destruição do sentimento de remorso) e um meio social (os prostíbulos do “Terreiro da Erva” ou os seus sucedâneos mais ou menos bem iluminados).”
José Afonso, in Cantares José Afonso. p. 97.

Senhor Poeta
Complemento noctívago de “Tenho Barcos…” Os dois versos Soltam-se as velas / Vamos largar foram intercalados na estrofe com o consentimento de Barahona a fim de ajustarem o conjunto às necessidades da composição musical.
José Afonso, in Cantares José Afonso. p. 98.


versões do tema “Menino d’Oiro”

Carlos do Carmo
Carlos do Carmo Em Concerto
1987. Philips - CD

Fernando Machado Soares
Fernando Machado Soares
1988. Polygram - CD


versões do tema “Tenho Barcos, Tenho Remos”

Victor Almeida e Silva
“Trova lírica”
1994. Movieplay - CD


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última actualização: 2.03.2007


27 de fevereiro de 2007

Coimbra - EP 1962




Coimbra
1962. Alvorada - EP (MEP 60280)

músicos:
guitarra:
António Portugal e Jorge Godinho
viola: Manuel Pepe e Levy Baptista

canções:
1 - Mar Largo (Paulo de Sá)
2 - Solitário (António Menano)
3 - Aquela moça da aldeia (António Menano)
4 - Balada (pop. açoriana/José Afonso)

Foi inicialmente editado com o título "Fados de Coimbra", EP de 1956.
Foi incluído em 1996 no CD “De Capa e Batina”.


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última actualização: 1.03.2007

Senhor Poeta

( Balada )

Meu amor é marinheiro
E mora no alto mar
Seus braços são como o vento
Ninguém o pode amarrar

Senhor poeta
Vamos dançar
Caem cometas
No alto mar
Cavalgam Zebras
Voam duendes
Atiram pedras
Arrancam dentes

Senhor poeta
Vamos dançar
Caem cometas
No alto mar
Soltam-se as velas
Vamos largar
Caem cometas
No alto mar.


José Afonso - António Barahona - Manuel Alegre
Menino d’Oiro” - 1962

No Lago do Breu

No Lago do Breu
Sem luzes no céu
Nem bom Deus
Que venha abrazar
Os ateus
No Lago do Breu

No Lago do Breu
A noite não vem
Sem sinais
Que fazem tremer
Os mortais
No Lago do Breu

Mas quem não for mau
Não vá
Que o céu não se compra

Não vejo razão
P’ra ser
Quem teme e não quer
Viver
Sem luzes no céu
Só mesmo como eu
No Lago do Breu

No Lago do Breu
Meninas perdidas
Eu sei
Mas só nestas vidas
Me achei
No Lago do Breu

Mas quem não for mau
Não vá
Que o céu não se compra

Não vejo razão
P’ra ser
Quem teme e não quer
Viver
Sem luzes no céu
Só mesmo como eu
No Lago do Breu

No Lago do Breu
A Lua nasceu
Mas ninguém
Pergunta quem vai
Ou quem vem
No Lago do Breu

Mas quem não for mau
Não vá
Que o céu não se compra

Não vejo razão
P’ra ser
Quem teme e não quer
Viver
Sem luzes no céu
Só mesmo como eu
No Lago do Breu

José Afonso
Menino d’Oiro” - 1962

Tenho Barcos, Tenho Remos

Tenho barcos, tenho remos
Tenho navios no mar
Tenho amor ali defronte
E não lhe posso chegar

Já fui mar já fui navio
Já fui chalupa escaler
Já fui moço, já sou homem
Só me falta ser mulher.


Cancioneiro Popular
Menino d’Oiro” - 1962

Menino d'Oiro

O meu menino é d'oiro
É d'oiro fino
Não façam caso
Que é pequenino
Não façam caso
Que é pequenino

O meu menino é d'oiro
D'oiro fagueiro
Hei-de levá-lo
No meu veleiro
Hei-de levá-lo
No meu veleiro

Venham aves do céu
Pousar de mansinho
Por sobre os ombros
Do meu menino
Do meu menino
Do meu menino

Venham comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino
No meu trenó
Levo o menino
No meu trenó

Quantos sonhos ligeiros
P’ra teu sossego
Menino avaro
Não tenhas medo
Menino avaro
Não tenhas medo

Onde fores no teu sonho
Quero ir contigo
Menino d’oiro
Sou teu amigo
Menino d’oiro
Sou teu amigo

Venham altas montanhas
Ventos do mar
Que o meu menino
nasceu p’ra amar
Que o meu menino
nasceu p’ra amar

Venham comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino
No meu trenó
Levo o menino
No meu trenó

(repete 1ª, 2ª, 7ª e 8ª estrofes)


José Afonso
Menino d’Oiro” - 1962

26 de fevereiro de 2007

Balada do Outono

Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar


José Afonso
Balada do Outono” - 1960

Balada do Outono - EP 1960



Balada do Outono
1960. Rapsódia – EP (EPF 5085)

músicos:
guitarra:
António Portugal e Eduardo Melo
viola: Manuel Pepe e Paulo Alão

canções:
1 - Balada do Outono (José Afonso)
2 - Vira de Coimbra (pop./arr. António Portugal)
3 - Amor de Estudante (pop./arr. Machado Soares-Paradela de Oliveira)
4 - Morena – instrumental (arr. Artur Paredes)

Este disco terá sido gravado em 1958, segundo alguns, ou 1960 segundo outros.

“Considero muito importante a Balada do Outono do Zeca, porque pela primeira vez aparece uma coisa que, não tendo bem a estrutura de um fado, modificava a técnica da própria balada (não esqueçamos que já Edmundo Bettencourt e Armando Góis tinham cantado baladas, como igualmente as cantaria o Luís Góis). Pela própria evolução do país começa então a vincar-se um desejo de intervenção política, que pega nessa tradição da balada e se reforça fundamentalmente através do Adriano. Naturalmente, esta consciência política radicaliza alguns grupos, surgindo daí uma certa antipatia por coisas que eram tradicionais: a guitarra entra em desprestígio, bem como o próprio fado, o uso da capa e batina, a praxe, etc. Cada vez mais o estudante se sente um cidadão comum, largando as suas tradições, e a balada vai perdendo a ligação com o fado de Coimbra. A guitarra praticamente desaparece ou passa para segundo plano; o suporte musical passa cada vez mais para a viola”.
Louzã Henriques. in “A tradição e a mudança”, “O Jornal”, Novembro de 1982; cit. Correia, Mário (1) pp. 20-21.

«Mais propriamente Balada do rio. Dominada ainda pelo velho espírito coimbrão, é o produto de um estado perpétuo de enamoramento ou como tal vivido, uma espécie de revivescência tardia da juventude. O trovador julga-se imprescindível, como um protagonista que a si próprio se interpela para convocar a presença das águas dos ribeiros e dos rios, testemunhas vivas do seu solitário cantar. A imagem do “Basófias”(1), que incha e desincha quando lhe apetece, deve ter influído na gestação da “partitura”. Uma certa disposição fisiológica propensa à melancolia explica o começo das dores sem falar na albumina anunciadora de futuras e promissoras “partenogéneses”.»
José Afonso, in Cantares José Afonso. p. 95


versões do tema “Balada do Outono”

Alpes & Catherine Ribeiro
Nr. 2
1970. Festival - LP
no disco tem o título "Ballada das águas"

Fernando Machado Soares
Fernando Machado Soares
1988. Polygram - CD

Quinteto de Coimbra
“Fado e Guitarra Portuguesa”
2002. Quinteto de Coimbra - CD

Suzana
Anel de Fogo
2005. Sete vidas - CD


admário costa lindo


última actualização: 1.03.2007


Fados de Coimbra - LP 1956

Fados de Coimbra
Luiz Goes / José Afonso
1956. LP

temas de Zeca incluídos:

1. Balada
2. Fado das Águias

fonte:
Correia, Mário (1) pp. 21 e 62


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25 de fevereiro de 2007

Fados de Coimbra - EP 1956

Fados de Coimbra
1956. Alvorada - EP

músicos:
guitarra:
António Portugal e Jorge Godinho
viola: Manuel Pepe e Levy Baptista

canções:
1 - Incerteza (Tavares de Melo)
2 - Mar Largo (Paulo de Sá)
3 - Aquela Moça da Aldeia (António Menano)
4 - Balada (Pop. açoriana/José Afonso)

Foi reeditado em 1962 com o título "Coimbra".
Foi incluído em 1996 no CD “De Capa e Batina”.



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última actualização: 1.03.2007

Fados de Coimbra - 1953

disco 1

Fados de Coimbra
1953. Alvorada - 78 rpm

canções:
1 - Fado das Águias (José Afonso)
2 - Solitário (António Menano)

músicos:
guitarra - António Brojo e António Portugal
viola - Aurélio Reis e Mário de Castro


disco 2

Fados de Coimbra
1953. Alvorada - 78 rpm

canções:
1 - O Sol Anda Lá No Céu (Carlos Figueiredo)
2 - Contos Velhinhos (Ângelo Araújo)

músicos:
guitarra
- António Brojo, António Portugal
viola - Aurélio Reis e Mário de Castro


Supõe-se serem estes os dois primeiros discos gravados por Zeca Afonso, embora actualmente não exista nenhum exemplar.
Foram gravados no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional.

É a fase mais remota de Zeca, tradicionalista com acompanhamento das clássicas guitarra e viola, ainda longe da revolução que conferiu à balada.

O "Fado das Águias" foi incluído em 1956 no LP "Fados de Coimbra" com Luiz Goes.

Todos os temas foram incluídos em 1996 no CD “De Capa e Batina”.


admário costa lindo

última actualização: 28.02.2007

Biografia 1929-1960




“O homem é a obra, segundo uma já velha (e discutível) sentença. É-o também na relação consigo mesmo e com os outros. A esta luz, a obra pode lançar sobre quem a gerou um clarão diurno mas não dar totalmente a sua medida. De José Afonso se dirá com razão isso mesmo. Projectou-se (ou projectaram-no) para além da poética musical que nos legou. Por causa dela, é certo. Mas não foi indiferente o seu modo de estar, o apego à liberdade e independência, a generosa dádiva de si mesmo, a coerência (teimosamente perseguida) – enfim, a relação empenhada que teve com o seu tempo, um tempo colectivo que melhor o vemos agora, olhando para trás, transcendente e único. Um tempo a saber a oportunidade perdida, diremos talvez. Mas perdida em relação a quê se a ulterioridade dos factos históricos – marcada por esse sinal da globalidade que é o grande axioma (e argumento) dos nossos dias – desmentiu como utópicas as hipóteses de ontem?”
Santos, João Afonso dos. p. 10

1929. Nasce em Aveiro, a 2 de Agosto. “O apelido receberam-no do inspector escolar Domingos José Cerqueira. Homem de pesadas e medidas palavras… Este nosso avô materno legou-nos um bom lote de tios. Rigoroso já então nas contas, teve quatro rebentos de cada uma das mulheres com que casou. A primeira foi a avó Rosa Augusta Dantas… e a “filha segunda dessa primeira união, a mãe do Zeca e minha, Maria das Dores Dantas Cerqueira, de seu nome.”
“José Nepomuceno Afonso dos Santos, também beirão de raiz, foi o pai do quase biografado nestas notas. De modo que Zeca resulta da enxertia de uma cepa beirã em vide minhota, ambas transplantadas para a foz do Vouga. Da combinação onomástica dos progenitores saiu-lhe o nome, composto como se segue: José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos. As contingências, sempre arbitrárias, reduziram-no mais tarde para José Afonso, Zeca para os mais íntimos.”
Ibidem, pp.17-20.

1930. Os pais vão para Novo Redondo (actual Sumbe), Angola, onde José Nepomuceno é colocado como delegado do Procurador da República. José Afonso, por razões de saúde, é confiado à guarda da tia JeJé e do tio Chico, “um republicano dos quatro costados, de bigodes retorcidos à Rafael Bordalo Pinheiro e convicções materialistas" e anti-sidonista - e passa a viver na casa do "Largo das Cinco Bicas, onde residiam os Cerqueiras", em Aveiro.

1933. José Afonso segue para Angola acompanhado por um tio advogado em lua-de-mel. Um missionário passa a ser a companhia do pequeno. Inicia os estudos da instrução primária. Permanece em Angola durante três anos.
“No Mouzinho o meteram ao encontro da família que, a bem ver, pouco menos lhe era do que estranha. Acostumara-se ao aconchego de uma tia materna a cuja custódia os pais o entregaram, desconfiados da sua fragilidade e das terras impaludadas para onde seguiram primeiro.”
Ibidem, p. 15.

1936. Regressa a Aveiro e passa a viver em casa de umas tias maternas.
“Quem sabe se por vias de tais bolandas … se não habituou a observar os adultos que permutaram à sua volta, a captar-lhes os tiques, os humores, as manias. A medir a provisoriedade das coisas e a exilar-se no sonho. A relativizar (depois que fez a descoberta da sua subjectividade). Nem por isso se fez bisonho, introvertido. Pelo contrário. As opiniões dos familiares que então o rodearam coincidem em caracterizá-lo como uma criança alegre, afectuosa e branda.”
Ibidem, p. 20.

1937. Vai viver com os pais para Moçambique, juntamente com os irmãos João e Mariazinha(nascida em Angola, em Silva Porto – actual Kuito - numa altura em que o pai havia sido transferido de Novo Redondo para esta cidade).

1938. Volta novamente para Portugal e vai viver em Belmonte, desta vês com o tio Filomeno, presidente da Câmara Municipal, salazarista, que o obriga a envergar a farda da Mocidade Portuguesa. Conclui a quarta classe.
“… Zeca bebeu aqui, nesta infância remota de embarcado, alguma coisa do seu vezo de andarilho… Zeca tem a divagação no sangue, é um espírito nómada espartilhado entre as quatro paredes deste nosso espaço sedentário, comprimido contra o oceano… Dessa sorte de navegar, no mar ou em terra, se embeberam as suas canções ou parte delas, numa obsessão inconsciente.”
Ibidem, pp. 14-15.


1940. Vai para Coimbra e matricula-se no Liceu D. João III, passando a viver em casa da tia Avrilete. Conhece António Portugal e Luiz Goes.

1942. O pai é transferido para Timor com as funções de Juiz. Com os pais segue a irmã Mariazinha; o irmão João vem para Portugal. O pai é feito prisioneiro pelos Japoneses que haviam ocupado Timor. José Afonso fica sem notícias dos pais.

1945. No fim da II Guerra Mundial, José Afonso recebe, finalmente, notícias dos pais. No 5º ano do Liceu começa a cantar serenatas como “bicho” (1).
“As minhas primeiras veleidades de cantor surgiram quando andava no 6º ano do liceu. As noites passava-as em deambulações secretas pela cidade, acompanhado de meia-dúzia de meliantes da minha idade, amantes inconsequentes da noite. Com uma guitarra e uma viola fazíamos a festa. Estávamos ainda longe do hieratismo triunfal das serenatas na Sé Velha diante de multidões atentas e respeitosas. O velho Flávio Rodrigues continuava a ser o «Mestre», venerado por um pequeno discipulado de guitarristas e acompanhadores que com ele se reuniam numa pequena casa do bairro de Celas onde acabou os seus dias minado por uma doença fatal.”
José Afonso, Autobiografia, Cidade da Beira, 1967

1946. Não consegue completar o curso do liceu, por chumbo.

1947. Chumba novamente.

1948. Completa, finalmente, o curso dos liceus. Viaja com o Orfeão e com a Tuna Académica., quando não joga futebol na Académica de Coimbra.

1949. Inscreve-se no curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras. Visita Angola e Moçambique integrado no Orfeão Académico da Universidade de Coimbra. Conhece uma costureira, Maria Amália de Oliveira, com quem casa em segredo, por oposição dos pais.

1953. Em Janeiro nasce José Manuel, o seu primeiro filho. Dá explicações e trabalha como revisor no Diário de Coimbra. Grava os seus dois primeiros discos, no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional - dois discos de 78 rotações com fados de Coimbra, editados pela Alvorada. Não existe qualquer exemplar desses discos. Cumpre serviço militar obrigatório em Mafra. Mobilizado para Macau, livra-se por motivos de saúde. Fica a cumprir serviço em Coimbra.

1954. Passa por grandes dificuldades económicas para sustentar a família, ao que se junta a crise conjugal muito sentida. Nasce a filha Helena.

1955. Termina o serviço militar e vai para Mangualde dar aulas (até 1956) num colégio privado. Inicia-se o processo de separação.

1956. Lecciona em Aljustrel e Lagos até 1957. É editado o seu primeiro EP, “Fados de Coimbra”. Um LP, também intitulado "Fados de Coimbra", é gravado em parceria com Luiz Goes.

1958. Lecciona em Faro. Passa por graves dificuldades económicas e envia os dois filhos para junto dos avós em Moçambique. Impressiona-se com a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Faz uma digressão por Angola como vocalista do Conjunto Ligeiro da Tuna Académica.

1959. Frequenta colectividades populares onde canta regularmente.

1960. Edita “Balada do Outono”.


(1) Na tradição coimbrã são os estudantes do Liceu.

admário costa lindo

última actualização: 8.03.2007

Bibliografia Consultada



Cantares José Afonso. Coordenação e textos de Manuel Simões e Rui Mendes, Notas de José Afonso. Fora de Texto, Coimbra, 1995 (4ª edição).

O Mundo social da música não me seduz, entrevista de Viriato Teles a José Afonso. MC-Mundo da Canção, Ano XII, Nº 57, Porto, Fevereiro/Março 1981.

José Afonso Textos e Canções. Organização e Notas de J. H. Santos Barros, 2ª Edição Revista e Aumentada Organização de Elfriede Engelmayer, Assírio & Alvim, Lisboa, 1988.

CORDEIRO, Jorge.
José Afonso - Cantigas do Maio. MC-Mundo da Canção, Ano III, Nº 25, Porto, Dezembro 1971.

CORREIA, Mário.
(1) Música Popular Portuguesa, Um Ponto de Partida. Centelha-MC/Mundo da Canção, Coimbra, 1984.
(2) A Nova Canção Portuguesa - o Início: José Afonso. MC-Mundo da Canção, Ano III, Nº 25, Porto, Dezembro 1971.
(3) Música Popular Portuguesa, Uma Análise. MC-Mundo da Canção, Ano VIII, Nº 49, Porto, Agosto 1978.
(4) Discoanálise, José Afonso - Enquanto Há Força. MC-Mundo da Canção, Ano IX, Nº 50, Porto, Fevereiro 1979.
(5) A Música Popular Portuguesa em construção nas obras de Vitorino, Sérgio Godinho, José Afonso, Fausto e Júlio Pereira. MC-Mundo da Canção, Ano XI, Nº 54, Porto, Maio/Junho 1980.
(6) MC/Balanço-81, A Música Popular Portuguesa. MC-Mundo da Canção, Ano XIII, Nº 60, Porto, Fevereiro/Março 1982.
(7) Música Popular Portuguesa, um ano a respirar cultura. MC-Mundo da Canção, Ano XV, Nº 65, Porto, Março 1984.

HALPERN, Manuel
(1) Versões: a zecar por aí. JL-Jornal de Letras Artes e Ideias, Ano XXVI, Nº 949, Paço de Arcos, 14-27 Fevereiro 2007.
(2) Quatro Homenagens. JL-Jornal de Letras Artes e Ideias, Ano XXVI, Nº 949, Paço de Arcos, 14-27 Fevereiro 2007.
(3) 10 Grândolas. JL-Jornal de Letras Artes e Ideias, Ano XXVI, Nº 949, Paço de Arcos, 14-27 Fevereiro 2007.

LÍVIO, Tito.
(1) Traz Outro Amigo Também ou o cantar que brota da terra. MC-Mundo da Canção, Ano II, Nº 14, Porto, Janeiro 1971.
(2) Três álbuns importantes, uma canção significante. MC-Mundo da Canção, Ano IV, Nº 34, Porto, s/data. *

NERY, Rui Vieira
Sons, sonhos e afectos. JL-Jornal de Letras Artes e Ideias, Ano XXVI, Nº 949, Paço de Arcos, 14-27 Fevereiro 2007.

SANTARENO, Bernardo.
Traz Outro Amigo Também. MC-Mundo da Canção, Ano I, Nº 12, Porto, Novembro 1970.

SANTOS, João Afonso dos.
José Afonso, Um Olhar Fraterno. Editorial Caminho, Lisboa, 2002.

SILVA, Arnaldo Jorge.
D. Amália canta Zeca Afonso. MC-Mundo da Canção, Ano II, Nº 14, Porto, Janeiro 1971.

TELES, Viriato.
Zeca Afonso, As Voltas de Um Andarilho. Cadernos de Reportagem, Ano I Nº 2, Relógio d’Água, Lisboa, 1983


última actualização: 7.03.2007


*
apenas para registo Histórico

24 de fevereiro de 2007

Traz Outro Amigo Também

Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja benvindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte
todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também


José Afonso
"Traz Outro Amigo Também" - 1970